Para transformar é preciso primeiro inquietar
- Black Brazil Art
- 29 de abr.
- 5 min de leitura

De onde você cria? Com quais histórias sua arte dialoga? Quem são seus ancestrais invisíveis? A quem sua prática artística serve? E o que ela perpetua sem que você perceba?
Estas perguntas não são retóricas. São convites — ou melhor, #convocatórias. No tempo em que vivemos, produzir arte sem interrogar seus alicerces é correr o risco de repetir as narrativas de um mundo que insiste em #invisibilizar corpos, territórios e saberes. Essa “virada decolonial” no campo da arte não é uma alternativa opcional: é uma necessidade urgente. É a oportunidade de (des)aprender as formas de ver, de fazer e de legitimar que o colonialismo disseminou como universais. Mas para atravessar essa virada, precisamos ir além da superfície dos discursos. É necessário experimentar a #transformação no corpo, nos processos, nas escolhas éticas e estéticas que sustentam cada gesto criativo.
A pergunta que ecoa é simples, mas radical: Estamos dispostos a criar um mundo em que a arte não seja cúmplice da #exclusão, mas instrumento da #reexistência?
O que se segue não é um manual, nem um manifesto acabado. É uma travessia. Uma abertura para pensar, sentir e viver a arte como campo de #insurgência, de #memória e de futuros.
A urgência do empírico: Quando teoria não basta

Que histórias sua prática escuta? Quantas vozes silenciadas habitam seus processos?
A decolonialidade na arte não se sustenta apenas nos livros, nos colóquios ou nos conceitos elegantes. Ela #pulsa nas ruas, nos quilombos, nas #periferias, nas encruzilhadas — e é lá que a academia precisa aprender a pousar seu olhar. A produção teórica, se quiser ter algum impacto real, deve se abrir ao chão da #experiência, ao corpo da vida comum, aos saberes historicamente negados.
#Reconhecer o valor da experiência é também reconhecer a urgência de expandir nosso repertório intelectual e afetivo. Ler Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro e tantos outros intelectuais negros não é apenas um gesto de reparação: é uma necessidade para quem quer criar arte que dialogue com o real e não apenas repita fórmulas de uma epistemologia #eurocentrada.
Quantas vozes negras você realmente conhece? Quantos corpos dissidentes habitam seu imaginário criativo?
Furar a bolha da epistemologia colonial é aceitar que as grandes narrativas da arte, da literatura e do pensamento foram construídas sob um filtro de exclusão. É entender que Conceição Evaristo, ao falar de #escrevivencia , não apenas amplia o conceito de #literatura — ela redefine o que é conhecimento, o que é memória, o que é #história. É assumir que Carolina Maria de Jesus, ao narrar sua própria fome e a fome do seu povo, ensinou mais sobre o #Brasil do que muitas bibliotecas brancas.
Você está disposto a deixar o saber atravessar o seu corpo — e não apenas a sua mente?
Decolonizar é escutar. É aprender com quem sempre foi forçado a falar apenas à margem.
Decolonialidade não é caridade: É compromisso

Por que só alguns corpos são convidados a falar em nome da diferença? Quem ainda se isenta de mudar porque não sente o peso do sistema?
A transformação decolonial não é tarefa exclusiva de #artistas #indígenas, #afrodiaspóricos ou #LGBTQIAPN+. Se a #hegemonia colonial moldou todos nós, então todos temos responsabilidade na sua desconstrução. Artistas brancos, #cisgêneros, não indígenas — que foram formados sob paradigmas #coloniais — também devem se colocar em crise.
Quais privilégios você ainda carrega sem questionar? Como suas escolhas artísticas alimentam ou rompem o ciclo da exclusão?
A #decolonialidade não demanda que artistas falem "pelos outros", nem que apropriem temas de resistência como forma de inovação #estética ou busca por #reconhecimento. Como bem nos lembra Djamila Ribeiro em Lugar de Fala, não se trata de calar uns para que outros falem, mas de reconhecer de onde se fala e como essa posição impacta o que se diz, se faz e se legitima.
É assumir que todo discurso, toda criação, é atravessada por uma história de poder — e que descentralizar essas narrativas é #responsabilidade de quem ocupa as posições historicamente favorecidas.
O chamado é outro: é um convite a reconstruir seu próprio lugar de fala, a entender que a transformação não acontece quando alguém "cede espaço" de maneira paternalista, mas quando se desconstrói as #estruturas que definem quem tem voz e quem é silenciado.
#Decolonizar exige, de todos nós, coragem para desaprender e humildade para recomeçar.
É um movimento que se faz na escuta atenta, na renúncia ao protagonismo fácil, na construção de redes e não de palcos.
Decolonizar é também descer do centro. É aprender a caminhar junto, e não à frente.
Redes, não centros: O futuro da criação

Que mundos sua arte imagina? Eles cabem dentro de fronteiras antigas?
A lógica colonial organizou o mundo em #centros e margens, em normas e desvios, em arte “legítima” e expressões “alternativas”. Essa divisão ainda ecoa nos editais, nas galerias, nas políticas culturais que, muitas vezes, perpetuam hierarquias silenciosas.
Mas novas rotas já estão sendo desenhadas.
Criar, hoje, é também romper com a centralização.
É cultivar redes #horizontais que conectam comunidades distantes, costurando #territórios através da cultura — seja na criação de coletivos independentes, seja em caravanas artísticas que levam saberes, práticas e #afetos de um lugar a outro.
E se, em vez de centros, tivéssemos redes? E se, em vez de palcos fixos, tivéssemos trajetórias em movimento, atravessando #periferias, aldeias, #sertões, morros, #ribeirinhas, #quilombos?
Organizar-se em rede é descentralizar poder.
É trocar a lógica da visibilidade a qualquer custo pela construção de sentidos compartilhados. É criar espaços de escuta, circulação e #criação que não dependam exclusivamente das grandes instituições para existir — mas que nasçam da vontade comum de narrar outras histórias. A cultura, quando pensada como travessia, #desenha mapas afetivos entre regiões historicamente desconectadas.
O Norte encontra o Sul, o interior encontra o litoral, as tradições dialogam com as reinvenções contemporâneas.
E, nesse percurso, cada artista deixa de ser ilha e passa a ser ponte.
Em quem sua arte se enraíza? Que futuros ela planta?
Que redes você está ajudando a construir?
O futuro da criação não está nos grandes centros. Está no entrelaçamento das diferenças, no cultivo de presenças diversas, no movimento que nunca se encerra — como uma caravana que #atravessa, conecta e transforma.
Travessia contínua

Não há ponto final na transformação ética que as artes precisam atravessar.
A travessia é contínua: é dobra, é reinvenção, é restituição em movimento.
A perpetuação de uma arte mais justa exige que olhemos também para as estruturas que sustentaram, e ainda sustentam, a lógica da exclusão. Os conservadores da arte #eurocentrada, os donos de coleções privadas, as galerias tradicionais, os museus de suas excelências — todos têm responsabilidade nesse processo.
A história de saques, de usurpações e de #apagamentos culturais ao longo dos séculos não pode ser esquecida. Mas pode — e deve — ser reescrita. É necessário que se pratique a desapropriação simbólica e concreta: que se devolvam narrativas, que se reconheçam origens, que se desfaçam hierarquias herdadas. Mais do que expor artefatos deslocados, é preciso devolver significado, memória e pertencimento.
Honrar os que vieram antes é também reconhecer aqueles que resistiram muito antes de qualquer teorização de "virada" ou "nova estética".
São artistas, pensadores e comunidades inteiras que mantiveram vivas práticas culturais, muitas vezes à margem dos grandes #salões, desafiando o esquecimento imposto.
Cada gesto, cada escolha, cada recusa importa.
Criar, nesse tempo, é insurgir. É assumir a arte como território de disputa, mas também de #reconciliação com as histórias enterradas.
Que heranças queremos perpetuar? Que mundo queremos legar a quem ainda está por vir?
Você está disposto a transformar a si mesmo para transformar o mundo?
O futuro das artes não será mais desenhado por poucos.
Ele será tecido pelas mãos de muitos, no compasso lento, doloroso e luminoso da reparação.
Que essa travessia nos atravesse por inteiro.
Black Brazil Art
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