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Para transformar é preciso primeiro inquietar

  • Foto do escritor: Black Brazil Art
    Black Brazil Art
  • 29 de abr.
  • 5 min de leitura

Pré-estreia Bienal Black 3a edição Rio de Janeiro em Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro
Pré-estreia Bienal Black 3a edição Rio de Janeiro em Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro

De onde você cria? Com quais histórias sua arte dialoga? Quem são seus ancestrais invisíveis? A quem sua prática artística serve? E o que ela perpetua sem que você perceba?


Estas perguntas não são retóricas. São convites — ou melhor, #convocatórias. No tempo em que vivemos, produzir arte sem interrogar seus alicerces é correr o risco de repetir as narrativas de um mundo que insiste em #invisibilizar corpos, territórios e saberes. Essa “virada decolonial” no campo da arte não é uma alternativa opcional: é uma necessidade urgente. É a oportunidade de (des)aprender as formas de ver, de fazer e de legitimar que o colonialismo disseminou como universais. Mas para atravessar essa virada, precisamos ir além da superfície dos discursos. É necessário experimentar a #transformação no corpo, nos processos, nas escolhas éticas e estéticas que sustentam cada gesto criativo.

A pergunta que ecoa é simples, mas radical: Estamos dispostos a criar um mundo em que a arte não seja cúmplice da #exclusão, mas instrumento da #reexistência?

O que se segue não é um manual, nem um manifesto acabado. É uma travessia. Uma abertura para pensar, sentir e viver a arte como campo de #insurgência, de #memória e de futuros.


A urgência do empírico: Quando teoria não basta


Fragmento de performance de Mariza Paulo, Portugal
Fragmento de performance de Mariza Paulo, Portugal

Que histórias sua prática escuta? Quantas vozes silenciadas habitam seus processos?


A decolonialidade na arte não se sustenta apenas nos livros, nos colóquios ou nos conceitos elegantes. Ela #pulsa nas ruas, nos quilombos, nas #periferias, nas encruzilhadas — e é lá que a academia precisa aprender a pousar seu olhar. A produção teórica, se quiser ter algum impacto real, deve se abrir ao chão da #experiência, ao corpo da vida comum, aos saberes historicamente negados.

#Reconhecer o valor da experiência é também reconhecer a urgência de expandir nosso repertório intelectual e afetivo. Ler Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro e tantos outros intelectuais negros não é apenas um gesto de reparação: é uma necessidade para quem quer criar arte que dialogue com o real e não apenas repita fórmulas de uma epistemologia #eurocentrada.

Quantas vozes negras você realmente conhece? Quantos corpos dissidentes habitam seu imaginário criativo?

Furar a bolha da epistemologia colonial é aceitar que as grandes narrativas da arte, da literatura e do pensamento foram construídas sob um filtro de exclusão. É entender que Conceição Evaristo, ao falar de #escrevivencia , não apenas amplia o conceito de #literatura — ela redefine o que é conhecimento, o que é memória, o que é #história. É assumir que Carolina Maria de Jesus, ao narrar sua própria fome e a fome do seu povo, ensinou mais sobre o #Brasil do que muitas bibliotecas brancas.

Você está disposto a deixar o saber atravessar o seu corpo — e não apenas a sua mente?

Decolonizar é escutar. É aprender com quem sempre foi forçado a falar apenas à margem.


Decolonialidade não é caridade: É compromisso


Performance de Mariza Paulo
Performance de Mariza Paulo

Por que só alguns corpos são convidados a falar em nome da diferença? Quem ainda se isenta de mudar porque não sente o peso do sistema?


A transformação decolonial não é tarefa exclusiva de #artistas #indígenas, #afrodiaspóricos ou #LGBTQIAPN+. Se a #hegemonia colonial moldou todos nós, então todos temos responsabilidade na sua desconstrução. Artistas brancos, #cisgêneros, não indígenas — que foram formados sob paradigmas #coloniais — também devem se colocar em crise.

Quais privilégios você ainda carrega sem questionar? Como suas escolhas artísticas alimentam ou rompem o ciclo da exclusão?

A #decolonialidade não demanda que artistas falem "pelos outros", nem que apropriem temas de resistência como forma de inovação #estética ou busca por #reconhecimento. Como bem nos lembra Djamila Ribeiro em Lugar de Fala, não se trata de calar uns para que outros falem, mas de reconhecer de onde se fala e como essa posição impacta o que se diz, se faz e se legitima.

É assumir que todo discurso, toda criação, é atravessada por uma história de poder — e que descentralizar essas narrativas é #responsabilidade de quem ocupa as posições historicamente favorecidas.

O chamado é outro: é um convite a reconstruir seu próprio lugar de fala, a entender que a transformação não acontece quando alguém "cede espaço" de maneira paternalista, mas quando se desconstrói as #estruturas que definem quem tem voz e quem é silenciado.

#Decolonizar exige, de todos nós, coragem para desaprender e humildade para recomeçar.

É um movimento que se faz na escuta atenta, na renúncia ao protagonismo fácil, na construção de redes e não de palcos.

Decolonizar é também descer do centro. É aprender a caminhar junto, e não à frente.


Redes, não centros: O futuro da criação



Que mundos sua arte imagina? Eles cabem dentro de fronteiras antigas?


A lógica colonial organizou o mundo em #centros e margens, em normas e desvios, em arte “legítima” e expressões “alternativas”. Essa divisão ainda ecoa nos editais, nas galerias, nas políticas culturais que, muitas vezes, perpetuam hierarquias silenciosas.

Mas novas rotas já estão sendo desenhadas.

Criar, hoje, é também romper com a centralização.

É cultivar redes #horizontais que conectam comunidades distantes, costurando #territórios através da cultura — seja na criação de coletivos independentes, seja em caravanas artísticas que levam saberes, práticas e #afetos de um lugar a outro.

E se, em vez de centros, tivéssemos redes? E se, em vez de palcos fixos, tivéssemos trajetórias em movimento, atravessando #periferias, aldeias, #sertões, morros, #ribeirinhas, #quilombos?

 

Organizar-se em rede é descentralizar poder.

É trocar a lógica da visibilidade a qualquer custo pela construção de sentidos compartilhados. É criar espaços de escuta, circulação e #criação que não dependam exclusivamente das grandes instituições para existir — mas que nasçam da vontade comum de narrar outras histórias. A cultura, quando pensada como travessia, #desenha mapas afetivos entre regiões historicamente desconectadas.

O Norte encontra o Sul, o interior encontra o litoral, as tradições dialogam com as reinvenções contemporâneas.

E, nesse percurso, cada artista deixa de ser ilha e passa a ser ponte.


Em quem sua arte se enraíza? Que futuros ela planta?

Que redes você está ajudando a construir?


O futuro da criação não está nos grandes centros. Está no entrelaçamento das diferenças, no cultivo de presenças diversas, no movimento que nunca se encerra — como uma caravana que #atravessa, conecta e transforma.


Travessia contínua



Não há ponto final na transformação ética que as artes precisam atravessar.

A travessia é contínua: é dobra, é reinvenção, é restituição em movimento.

 

A perpetuação de uma arte mais justa exige que olhemos também para as estruturas que sustentaram, e ainda sustentam, a lógica da exclusão. Os conservadores da arte #eurocentrada, os donos de coleções privadas, as galerias tradicionais, os museus de suas excelências — todos têm responsabilidade nesse processo.

A história de saques, de usurpações e de #apagamentos culturais ao longo dos séculos não pode ser esquecida. Mas pode — e deve — ser reescrita. É necessário que se pratique a desapropriação simbólica e concreta: que se devolvam narrativas, que se reconheçam origens, que se desfaçam hierarquias herdadas. Mais do que expor artefatos deslocados, é preciso devolver significado, memória e pertencimento.

Honrar os que vieram antes é também reconhecer aqueles que resistiram muito antes de qualquer teorização de "virada" ou "nova estética".

São artistas, pensadores e comunidades inteiras que mantiveram vivas práticas culturais, muitas vezes à margem dos grandes #salões, desafiando o esquecimento imposto.

Cada gesto, cada escolha, cada recusa importa.

Criar, nesse tempo, é insurgir. É assumir a arte como território de disputa, mas também de #reconciliação com as histórias enterradas.


Que heranças queremos perpetuar? Que mundo queremos legar a quem ainda está por vir?

Você está disposto a transformar a si mesmo para transformar o mundo?


O futuro das artes não será mais desenhado por poucos.

Ele será tecido pelas mãos de muitos, no compasso lento, doloroso e luminoso da reparação.


Que essa travessia nos atravesse por inteiro.


Black Brazil Art


 
 
 

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