Casa Grande Sem Senzala: quando a literatura ocupa, desestabiliza e refunda
- Black Brazil Art
- 11 de mai.
- 5 min de leitura

Em minha trajetória como curadora, museóloga e idealizadora da Black Brazil Art, compreendi que ocupar espaços simbólicos é uma forma de reescrever narrativas. Foi assim que nasceu Casa Grande Sem Senzala, primeiro título de ficção do projeto, uma novela que se instala dentro da casa colonial — não como hóspede, mas como presença desconcertante.
Nesta entrevista, compartilho o processo de criação da obra, as inspirações que atravessam os personagens, os desafios de escrever a partir de uma perspectiva decolonial e as urgências que movem este gesto literário.
O livro é mais do que uma ficção: é parte de um movimento coletivo que vem se desenhando com a Bienal Black e suas residências artísticas. Abaixo, você confere a íntegra da entrevista que aprofunda os sentidos de uma obra que não quer explicar o mundo, mas sim rasurá-lo com outras possibilidades de existência.
*Entrevista para o Jornal A UNIÃO, de João Pessoa - PB <11 de maio de 2025>
Daniel Abath
REBATENDO GILBERTO FREYRE
Livro Casa Grande Sem Senzala é provocação ao clássico do sociólogo
Durante três meses, um grupo de artistas vivencia uma residência artística imersiva volta da para o tema decolonial. Não por acaso, o local escolhido é um antigo casarão de estilo colonial, outrora construído para ser casa grande, estrutura arquitetônica patriarcal-escravocrata que um dia pareceu, aos olhos do sociólogo Gilberto Freyre, processar relações raciais harmoniosas entre senhores e escravizados, o que deu origem a sua tão cri ticada teoria da “democracia racial”. Em contraponto ao viés de Freyre é que surge a novela Casa Grande sem Senzala (Black Brazil Art, 192 páginas), de Patrícia Brito Knecht.
“O título é uma provocação direta à obra de Gilberto Freyre, que naturalizou uma relação harmoniosa entre casa grande e senzala”, afirma Patrícia. “Ao retirar a senzala do título, o que permanece é o vazio, o fantasma, a ausência. Na narrativa, a casa colonial é invadida por presenças que não se conformam ao silêncio histórico – artistas que carregam suas histórias, fraturas e desestabilizam essa estrutura simbólica”, acrescenta.
Ao ocupar o espaço, um sobrado colonial em território ermo, os personagens da obra ocupam a casa, ainda que brevemente, para refundar outras formas de convivência e existência. O título propõe esse deslocamento crítico, na emergência da reescritura da história a partir de dentro, mas com outros olhos e vozes.
O livro é diretamente inspirado pela experiência que a autora vem desenvolvendo há al guns anos com os projetos do Instituto Black Brazil Art, escritório de arte, curadoria e exposição. “São espaços reais de escuta, pesquisa e criação onde artistas racializados, indígenas e dissidentes se encontram para produzir, mas também para compartilhar vivências e tensionar estruturas”.
Patrícia ressalta que o maior desafio da obra foi tratar temas como decolonialidade e erotismo de maneira sensível, sem cair no didatismo. “A intenção nunca foi explicar conceitos, mas provocar sensações e reflexões. A decolonialidade, por exemplo, não aparece como um discurso teórico, mas como uma estrutura narrativa. O livro par te da ideia de que o gesto decolonial não é apagar o que nos envergonha na história, mas sim enfrentá-lo com consciência crítica”. O erotismo, por sua vez, surge como linguagem do corpo, atravessado por violência e desejo – nunca gratuito, nem romantizado, mas como parte das subjetividades desses personagens.
Na narrativa, a casa é também um personagem. Um corpo branco, vigilante. Abriga a residência artística que reúne os “demais” personagens, sendo forçado a escutar outras vozes, reverberando sons que antes abafava. Simboliza, de acordo com a autora, as estruturas coloniais que ainda teimam em se manter vivas, mesmo quando as rupturas se mostram às fissuras de seu alicerce, deixando de ser mero cenário para transmutar se na metáfora de uma estrutura global.
“Falo da casa grande como símbolo do subalternismo que marca toda a história colonial – não só no Brasil, mas em muitas partes do mundo. É a lógica do museu colonial, que deposita histórias em vitrines, enquanto nega o direito à palavra aos seus verdadeiros protagonistas”, aponta.
Uma nova história
A construção da novela também foi influenciada pela experiência de Patrícia Brito como curadora e historiadora. “O papel do historiador é investigar o passado humano, e felizmente, há muito o que explorar quando se trata do papel da arte e da humanidade em conjunto”, atesta. “A curadoria, nesse contexto, surge como uma prática que vai além da simples organização de objetos ou ideias; ela permite que se contextualize critica mente a história e as narrativas sociais, moldando espaços e formas de comunicação. Esse é um espaço onde as histórias podem ser contadas de maneiras específicas, em deter minados contextos, e é exatamente esse diálogo que o livro propõe”, expõe.
Como museóloga, não houve dificuldade em idealizar e organizar o espaço físico de seu resultado criativo. A estrutura da novela em si funciona como uma curadoria de histórias, já que a ficção abriga o ambiente onde diferentes artistas, experiências e temporalidades podem ser exploradas e expostas. Dentro de seu processo criativo, a autora compreende que tanto na arte quanto na história humana há um esforço contínuo por revelar o que foi ocultado, sobretudo por meio da escrita.
A novela é o debut da Black Brazil Art na seara da ficção literária e Patrícia vê a realização como um gesto inaugural que aponta para novos caminhos. “A literatura, assim como a arte, precisa de espaços onde outras narrativas possam florescer. Essa publicação é uma extensão do que já fazemos com imagens, sons e corpos – agora também com palavras. Ao dar visibilidade a essas histórias, que falam de outras experiências, outras subjetividades, estamos ajudando a criar um cenário mais plural no campo literário e artístico”, considera.
O lançamento de Casa Grande sem Senzala ocorreu no mês passado, em uma live na internet. Na ocasião, outras autoras negras participaram, trazendo suas reflexões sobre a semelhança de trajetórias e temas em suas próprias obras. “Falamos da importância de escrever a partir das margens, de dar visibilidade a quem é sistematicamente excluído, de construir narrativas que desafiam versões oficiais da história – aquelas que se consolidam como únicas e in questionáveis”, reitera Patrícia.
A autora não espera que o livro entregue respostas prontas, mas provoque reflexões. Que incomode onde for preciso, mas que também acolha quem se reconhece nas brechas da história. A obra também pertence a um movimento maior que a Black Brazil Art vem construindo há anos, de ampliação de uma bienal da arte contemporânea independente: a Bienal Black.
“Existe um clichê que carrega uma verdade incontornável: sem novas histórias, o mundo continuará pertencendo apenas àqueles que escreveram suas verdades – e essas verdades, em sua maioria, foram construídas a partir de perspectivas eurocentradas, excludentes e coloniais”, afirma. “Por isso, acredito profundamente que a literatura, quando comprometi da com outras epistemologias, é um dos instrumentos mais potentes para transformar o que somos e como vivemos juntos”, conclui.
Matéria reproduzida do original em: https://641d195c-9101-4f74-b606-565007196ef9.filesusr.com/ugd/e2f35b_5f60deb1f1754855ba7f3d871e101028.pdf
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