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Entre Retórica e Realidade

Atualizado: 24 de set. de 2023

O Desafio dos Patrocínios Incentivados na Promoção da Diversidade Cultural



@al_margen_insta (todos os direitos reservados ao artista Al Margen)


O Brasil, conhecido pela sua rica diversidade cultural e social, enfrenta desafios significativos quando se trata de financiar e promover essa pluralidade através de projetos culturais e sociais. Uma das ferramentas mais notáveis para tal é o sistema de patrocínios incentivados. Esses patrocínios, muitas vezes baseados em leis de incentivo fiscal como a Lei Rouanet, oferecem às empresas a oportunidade de redirecionar uma porção dos impostos devidos para o financiamento de projetos em áreas como cultura, esporte e educação. Embora essa estratégia tenha o potencial de alimentar uma gama diversificada de iniciativas, sua eficácia é frequentemente questionada em relação à transparência, inclusão e diversidade dos projetos apoiados.


Várias empresas de grande porte no Brasil têm estabelecido seus próprios institutos e fundações como um mecanismo para administrar recursos oriundos de incentivos fiscais. Embora esses institutos se apresentem como vetores de financiamento para uma variedade de projetos sociais e culturais, um olhar mais minucioso muitas vezes revela um foco desproporcional em iniciativas que servem aos interesses diretos ou indiretos da empresa-instituição-fundação ou de indivíduos a ela associados. Este fenômeno lança dúvidas sobre a verdadeira eficácia do sistema de patrocínios incentivados. Ao invés de promover um ecossistema diversificado e inclusivo de projetos, esses institutos podem estar restringindo a aplicação de recursos de forma que privilegie agendas corporativas específicas, questionando assim o objetivo mais amplo do sistema em fomentar o bem social e cultural de maneira equitativa.


A ausência de diretrizes governamentais que priorizem a diversidade e a inclusão no direcionamento dos recursos provenientes de patrocínios incentivados intensifica a problemática. Embora o governo brasileiro estabeleça o enquadramento jurídico para o uso desses incentivos, tem se mostrado omisso na garantia de que uma ampla gama de projetos — abrangendo diversas comunidades, formas de expressão e necessidades sociais — seja adequadamente financiada. Esta falha institucional tem consequências significativas, incluindo a marginalização de minorias étnicas, a sub-representação de artes alternativas ou menos comercializadas, e o acesso limitado a financiamento para iniciativas voltadas para populações (artísticas) sem acesso ao mecanismo como um todo. Assim, a falta de ação governamental para regular e orientar a alocação de recursos potencializa o risco de que os patrocínios incentivados perpetuem desigualdades, em vez de servir como ferramentas para o desenvolvimento social e cultural inclusivo.


Ademais, observa-se uma tendência marcante no financiamento por meio de incentivos fiscais que favorece projetos em domínios já repletos de recursos, como a música e o futebol. Apesar de serem componentes cruciais do legado cultural brasileiro, essa ênfase desmedida limita significativamente o apoio a outras modalidades de arte e expressão social que, embora não sejam tão comercialmente viáveis ou populares, são igualmente relevantes. O foco deste artigo, portanto, é perscrutar as complexidades do sistema de patrocínios incentivados no Brasil, questionando se os mecanismos atuais estão efetivamente promovendo uma ampla gama de objetivos sociais e culturais. O artigo examinará a crescente tendência de empresas em criar seus próprios institutos para gerir incentivos fiscais, o papel ambíguo do governo na regulação deste campo e a seleção parcial de projetos que frequentemente são os principais beneficiários desses incentivos. Com esta análise, aspiramos a contribuir para uma discussão mais robusta sobre como reformar este sistema de modo a melhor atender à diversificada tapeçaria cultural e social que o Brasil possui.


A Criação de Institutos Próprios pelas Empresas


Nos últimos anos, um fenômeno interessante tem ganhado destaque no cenário brasileiro: a criação de institutos próprios por grandes empresas. Com nomes que frequentemente carregam o prestígio de suas empresas, esses institutos têm se apresentado como catalisadores de mudança social e cultural. Eles são os beneficiários diretos dos recursos canalizados através de leis de incentivo fiscal, gerindo quantias significativas que, em teoria, deveriam ser destinadas ao financiamento de uma gama diversa de projetos em áreas como educação, cultura e esporte.


O que acontece na prática, no entanto, muitas vezes diverge desse ideal. A criação de um instituto próprio oferece às empresas um controle considerável sobre como os recursos são alocados. Esse controle se manifesta de várias maneiras, desde a escolha dos tipos de projetos que serão financiados até a seleção de beneficiários específicos. Embora a ideia de um instituto corporativo possa soar como uma forma de especialização e eficácia na administração de recursos, ela também abre espaço para conflitos de interesse e nepotismo.

Por exemplo, um instituto pode decidir financiar projetos em uma região específica onde a empresa tem operações significativas. Embora esse tipo de projeto possa trazer melhorias para a comunidade local, ele também pode servir para melhorar a imagem pública da empresa em uma área onde ela tem interesses comerciais. Da mesma forma, é comum que os membros do conselho desses institutos tenham ligações estreitas com a empresa, levando à aprovação de projetos que, de alguma forma, beneficiem os interesses corporativos.


A maior preocupação aqui é o potencial desses institutos para restringir a diversidade e a inclusão. Quando a decisão sobre quais projetos financiar está concentrada em um grupo pequeno, que frequentemente compartilha um conjunto de interesses alinhados com os da empresa, há um risco real de que a diversidade cultural e social seja negligenciada. O resultado é um cenário em que projetos mais comerciais ou convencionais, como festivais de música popular ou competições esportivas, recebam uma parcela desproporcional dos recursos, em detrimento de iniciativas que possam beneficiar comunidades menos representadas ou formas de arte e cultura menos comerciais.


Este modelo atual, portanto, limita as chances de projetos verdadeiramente inovadores e inclusivos de receberem o financiamento necessário para sair do papel. Isso, por sua vez, restringe o alcance e o impacto potencial das leis de incentivo fiscal, transformando uma ferramenta que deveria promover a diversidade e a inclusão em um ciclo fechado de auto-interesse.


Ao entender essa dinâmica, torna-se evidente a necessidade de uma revisão profunda na forma como os patrocínios incentivados são geridos no Brasil. Esse sistema deve ser não apenas um instrumento de promoção de imagem para grandes corporações, mas também uma plataforma que viabilize o florescimento da rica tapeçaria cultural e social do país em toda a sua diversidade e complexidade.



@al_margen_insta (todos os direitos reservados ao artista Al Margen)


Mudanças a longo prazo


Em meio às mudanças de políticas e gestão governamental, é evidente que ainda há um longo caminho a percorrer para aprimorar a alocação de recursos de patrocínios incentivados. Embora haja sinais de renovação na administração atual, a falta de diretrizes claras e específicas do governo para assegurar a diversidade e inclusão nos projetos patrocinados continua sendo uma lacuna preocupante. A recente reunião do Conselho Estadual de Cultura do RS, realizada no final de agosto de 2023 em Porto Alegre, sublinhou a necessidade urgente de uma discussão mais abrangente sobre uma plataforma nacional de cultura.


Mesmo com avanços legislativos, os recursos de incentivos fiscais ainda são, frequentemente, alocados de acordo com interesses corporativos, resultando em uma distribuição desigual que favorece grandes centros urbanos e formas de arte já estabelecidas. Isso não apenas marginaliza formas menos comerciais de expressão artística, mas também negligência regiões e comunidades que já enfrentam diversas outras formas de exclusão.


Para corrigir essa disparidade, o governo assumiu um papel mais ativo na reorientação das práticas de editais, mas, o entendimento empresarial continua o mesmo. Implementar uma linguagem e diretrizes que incentivem a inclusão de projetos voltados para minorias, artes menos comerciais e comunidades em situação de vulnerabilidade oferecendo formação intelectual e criativa, é crucial. Isso envolver a já criação de critérios adicionais de pontuação para projetos que buscam a inclusão social ou a diversidade cultural. Campanhas de conscientização e treinamentos para empresas também poderiam ser iniciativas úteis nesse sentido.


O Recorte dos Projetos Financiados


Em um país onde o futebol é mais do que um esporte e a música é uma expressão intrínseca da identidade nacional, não surpreende que essas duas áreas recebam uma atenção significativa quando se trata de patrocínios incentivados. Segundo a percepção de usuários da plataforma do Ministério da Cultura, o SalicWeb, a música e o futebol (mesmo este segundo sendo oriundo da Lei Pelé), são segmentos que frequentemente dominam a lista de projetos beneficiados pelas leis de incentivo. Isso se reflete em investimentos robustos em estádios, clubes esportivos e festivais de música, muitos dos quais já contam com formas significativas de renda.


Este enfoque, no entanto, tem um lado negativo: cria uma espécie de ciclo vicioso. Como essas áreas já são populares e amplamente aceitas, elas oferecem às empresas uma oportunidade de "aposta segura" para o uso de seus incentivos fiscais. Isso, por sua vez, perpetua a concentração de recursos, limitando o acesso a financiamento para outras formas de arte e expressão cultural.


Enquanto isso, as artes plásticas — um setor tão crucial para a preservação e propagação da diversidade cultural e histórica — enfrentam desafios consideráveis no acesso a financiamento. Quando comparado com a música e o futebol, este setor frequentemente fica em desvantagem, contando mais com o apoio de instituições e colecionadores privados, muitos dos quais têm relações estreitas com o setor bancário.

Mais preocupante ainda é o fato de que esse financiamento, muitas vezes, vem com cordas anexadas. Os colecionadores e instituições que financiam as artes plásticas frequentemente favorecem formas mais "seguras" e tradicionais de arte, muitas vezes com um viés para a arte colonialista ou que se alinha com a narrativa dominante da história e da cultura brasileira. Isso deixa pouco espaço para artistas contemporâneos, experimentais ou pertencentes a grupos minoritários, cujo trabalho poderia desafiar ou enriquecer o discurso cultural existente.


Essa distribuição desequilibrada de recursos tem várias implicações. Primeiramente, ela limita o desenvolvimento e a exposição de talentos em setores que já são subfinanciados. Segundo, ela restringe o escopo do que é considerado "arte" ou "cultura" digna de investimento, reforçando estereótipos e hierarquias culturais. Terceiro, ela contribui para um cenário em que a "diversidade" se torna uma palavra-chave esvaziada, em vez de uma prática ativa de inclusão e representatividade.


O sistema de patrocínios incentivados no Brasil tem um potencial enorme para nutrir uma gama ampla e diversificada de expressões culturais e sociais. No entanto, a atual estrutura e práticas de financiamento revelam uma imagem menos lisonjeira: a de um sistema que perpetua desigualdades e favorece o que já é popular ou comercialmente viável. É essencial questionar e reformular esses mecanismos para que possam cumprir sua promessa de enriquecer o vibrante mosaico cultural e social do Brasil.



@al_margen_insta (todos os direitos reservados ao artista Al Margen)


Os Desafios para Pequenas Iniciativas: Marginalização no Fluxo de Financiamento


No intrincado cenário dos patrocínios incentivados no Brasil, pequenas iniciativas culturais e sociais enfrentam desafios monumentais para acessar recursos. O sistema atual, que favorece grandemente corporações e instituições estabelecidas, muitas vezes deixa pouco espaço para projetos menores que não possuem o respaldo de grandes nomes ou redes influentes. Isso se deve, em parte, às estruturas burocráticas e aos custos associados à obtenção de aprovações legais, algo que organizações maiores podem navegar com mais facilidade e recursos.


Além disso, o viés corporativo nos institutos financiados por grandes empresas tende a marginalizar pequenas iniciativas que não se alinham com os interesses comerciais ou de imagem dessas corporações. Sem o apoio dessas entidades influentes, muitos desses pequenos projetos permanecem desconhecidos e subfinanciados, levando a uma concentração de recursos em áreas que já são relativamente bem atendidas.


Diante dessa falta de suporte local, muitas pequenas iniciativas buscam financiamento internacional como uma rota alternativa. Embora isso possa fornecer uma tábua de salvação financeira, também lança uma luz crítica sobre a forma como o Brasil valoriza sua própria diversidade cultural e social. Organizações internacionais e fundos estrangeiros, como o Prêmio Príncipe Claus para a Cultura e o Desenvolvimento, entre outros, frequentemente reconhecem o valor inerente a formas de expressão artística e cultural que são marginalizadas em seu próprio país de origem.


Esse cenário revela um contraste gritante: enquanto o mundo parece disposto a investir na riqueza cultural do Brasil, o sistema interno de patrocínios incentivados muitas vezes falha em fazer o mesmo. Esse desequilíbrio não apenas sinaliza uma falha crítica em como o Brasil administra seus próprios recursos culturais, mas também questiona a eficácia de um sistema que, em última instância, deveria servir para preservar e promover a diversidade e a riqueza do patrimônio cultural e social brasileiro.


O Papel dos Patrocínios Incentivados na Construção de um Brasil Inclusivo - O Estudo de Caso da Black Brazil Art


O atual sistema de patrocínios incentivados no Brasil se encontra em um paradoxo. Embora possua o potencial para ser uma ferramenta poderosa na promoção da inclusão e da diversidade cultural, na prática, o cenário é menos animador. A jornada da Black Brazil Art, uma organização que se esforça para trazer à luz questões complexas de gênero e raça nas artes através de sua Bienal Black, serve como uma ilustração contundente desse problema.

A Bienal, já em sua terceira edição, oferece uma plataforma vital para artistas e pensadores explorarem temas frequentemente marginalizados, preenchendo uma lacuna importante na cultura brasileira. Contudo, apesar de ter recebido o selo de aprovação do Ministério da Cultura em agosto de 2023, o evento ainda se depara com um obstáculo significativo: a falta de patrocínio corporativo. Esta escassez é particularmente surpreendente e decepcionante quando se considera que diversas empresas no Brasil ostentam orgulhosamente suas iniciativas de responsabilidade social.


Este estudo de caso ressalta duas falhas críticas no sistema brasileiro de patrocínios incentivados. A primeira é o desalinhamento entre as declarações de responsabilidade social corporativa e as ações efetivas dessas empresas. Uma desconexão evidente entre o marketing e a realidade que mina a confiança pública e a eficácia das políticas de inclusão.

O segundo problema é uma lacuna institucional que envolve o próprio Ministério da Cultura. A aprovação de um projeto deveria ser apenas o primeiro passo de um processo que inclui o direcionamento adequado para patrocinadores em potencial alinhados com os objetivos do governo. Quando o governo "lava as mãos" após a aprovação, o resultado é um vazio de apoio financeiro, transformando a aprovação em uma vitória simbólica, mas vazia.


A situação enfrentada pela Black Brazil Art, reflete em centenas de outras iniciativas e levanta questões importantes sobre como recursos para a cultura e inclusão social são alocados no Brasil. A falta de alinhamento entre o discurso e a prática tanto de empresas quanto do governo aponta para a necessidade de uma reformulação significativa do sistema de patrocínios incentivados.


Para construir um Brasil mais diverso e inclusivo, são necessários ajustes estruturais que garantam a distribuição mais equitativa de recursos, a reavaliação das estratégias de responsabilidade social corporativa e um maior comprometimento do governo em fazer a ponte entre projetos aprovados e patrocinadores adequados.


Em última análise, o caso da Black Brazil Art deve servir como uma chamada à ação, não apenas como uma exceção isolada. O objetivo deve ser um sistema que torne experiências como a dela a norma, não a exceção, na busca por um Brasil verdadeiramente inclusivo e diversificado. E para atingir essa meta, é fundamental que haja uma cooperação mais estreita e mais intencional entre os setores público e privado, bem como uma reavaliação crítica e honesta dos mecanismos atualmente em vigor.


ERRATA

No parágrafo 14 foi confundida a Lei Pelé (Lei9.615\98) com a Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438\06) - fazendo jus o parágrafo à LIE - Lei de Incentivo ao Esporte.


Black Brazil Art




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