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A Caneta Azul e o Invisivél da Escrita

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Escrita e reescrita baseadas em exercício da Oficina de Processo Artístico da Black Brazil Art por LUIZ CLAUDIO CERQUEIRA



Sobre a mesa, repousa uma caneta BIC azul. Um objeto tão comum que, à primeira vista, parece banal. Mas basta olhá-la com um pouco mais de atenção para perceber que ela carrega camadas de história, memória e crítica — um verdadeiro espelho da nossa relação com a escrita, com o tempo e com o próprio mundo.


A caneta já foi companheira inseparável de provas, bilhetes e cartas. Foi testemunha de anotações em cadernos, rascunhos de poemas e rabiscos distraídos em margens de páginas. Serviu também para deixar marcas no corpo — nomes em gessos de amigos, desenhos de pele efêmeros, lembranças de infância e de afeto. E, claro, instrumento de poder: com ela se assinam documentos, decretos, juras e confissões.


Ao investigar sua origem, descobrimos que a caneta esferográfica nasceu do incômodo de um homem diante do erro. O húngaro László Bíró, jornalista e inventor, cansou-se das manchas das antigas canetas-tinteiro e, inspirado pela tinta rápida dos jornais, criou um sistema com uma pequena esfera na ponta, capaz de distribuir tinta de forma uniforme. Sua invenção, patenteada em 1938, mudou radicalmente nossa relação com a escrita — e talvez com a própria ideia de autoria.


Mas a caneta também carrega contradições. É uma mercadoria onipresente, encontrada em qualquer esquina, símbolo da era industrial e do consumo rápido. Ao mesmo tempo, é também lixo — plástico que se acumula, microfragmentos que chegam ao mar e, agora, até aos nossos corpos. Talvez, como provoca o artista, nossas ideias também estejam se tornando plastificadas.


E se pensarmos na caneta como escultura? Um objeto que, ampliado, poderia ocupar uma praça pública, apontando para o céu, lembrando a todos o poder simbólico da escrita. Porque sim — a caneta é também um símbolo de poder. “O caneta” é aquele que decide, decreta, determina. Ela é instrumento de dominação, mas também de criação. Com ela se assinam guerras e acordos de paz, sentenças e poemas.


A caneta é, no fundo, uma árvore-ponte: suas raízes fincam-se no solo da mente, e seus frutos são palavras que florescem em papel, tela ou memória. Nela, coexistem o gesto humano e o gesto mecânico, o sonho e o controle, o impulso e a norma.


Mesmo diante da era digital — das assinaturas eletrônicas, dos documentos virtuais, dos cliques que substituem gestos — a caneta resiste. Impávida. Símbolo e relíquia de uma humanidade que ainda precisa escrever à mão para se lembrar de que pensa.


Talvez por isso, como reflete o artista, ela seja também um documento de nós mesmos: um falo simbólico que ejeta letras — fecundando o mundo com sonhos, delírios, memórias e pesadelos. Entre o sublime e o grotesco, entre o papel e o plástico, entre o gesto e a máquina, a caneta continua sendo testemunha daquilo que nos torna humanos: o desejo de deixar marcas.


Black Brazil Art


 
 
 

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