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CURADORIAS EM DISPUTA: QUEM SÃO AS CURADORAS E CURADORES NEGRAS, NEGROS E INDÍGENAS BRASILEIROS?


Exposição Diálogos e Transgressões, curadoria de Luciara Ribeiro, no Sesc Santo Amaro. De 18 de novembro de 2017 a 18 de fevereiro de 2018. Foto: Raquel Santos


No Brasil, o debate sobre a formação, consolidação e definição dos diversos modos de curadorias, assim como quem são os profissionais que atuam na área, ainda requer aprofundamentos. Compreender quem faz curadoria hoje é um dado fundamental para repensar as artes, seus espaços e autorias. Entender que essas autorias não são neutras, e que elas são marcadas, por exemplo, por fatores sociais, como classe, gênero e as relações étnico-raciais, é uma urgência nas artes brasileiras.


Partindo dessa motivação, surgiu o mapeamento apresentado aqui, cujo objetivo é, primeiramente, saber quem são os curadores negros, negras e indígenas brasileiros, e, posteriormente, como tais atuações colaboram com o campo curatorial nacional. Essa pesquisa começou em setembro de 2019 e já conta com cerca de 76 nomes de curadores negros/negras e 20 indígenas. Dos quais a maioria é feminina, atua na região sudeste e de maneira autônoma/independente. Tal levantamento foi realizado via redes sociais, e contou com a contribuição de diversas pessoas, que com a mesma motivação, viram a importância dessa iniciativa.


Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.



Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.



Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.


Com o desejo de aprofundar tais dados, o projeto foi integrado à Rede de Pesquisa e Formação em Curadoria de Exposição, formada pelo Grupo de pesquisa em Teorias e Metodologias em Curadoria de Exposições, coordenado pelas Profª Drª Carolina Ruoso, Profª Drª Joana D’Arc de Sousa Lima, Profª Drª Rita Lages Rodrigues, Profª Drª Janaína Barros, Profª Drª Marcelina Almeida, Profº Ms Saulo Moreno, Ms Luciara Ribeiro e a diretora do MAMAM/PE, Cristiane Mabel Medeiros. Como parte da Rede, integram: o Laboratório de Curadoria de Exposições Bisi Silva, a Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Núcleo de Pesquisa do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM/Recife), o Laboratório de Arte-educação, curadorias e histórias das exposições da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB/Ceará), o Caderno Vida & Arte do Jornal O Povo e a Escola de Design da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).


A Rede de Pesquisa e Formação em Curadoria de Exposição visa estudar criticamente o campo curatorial contemporâneo, entendendo-o como uma das frentes responsáveis por construir e reformular as histórias das artes. Como parte desse esforço, realiza-se desde dezembro de 2018 uma cartografia dos curadores, brasileiros e internacionais, cujas trajetórias auxiliam no entendimento da história da curadoria no Brasil. O grupo também lançou um questionário específico para os curadores brasileiros, que auxiliará no estudo dos processos curatoriais vigentes no país.


Até maio de 2020, apenas 28 curadores haviam retornado o formulário. Entre eles, nenhum era negro e indígena. Paralelo a isso, o grupo organizou uma lista de curadores para além daqueles que responderam o formulário, com a intenção de preencher tal lacuna. A mesma ausência se perpetuou nesse primeiro levantamento, que dos cerca de 150 nomes de curadores, apenas 2 eram negros.


Essa ausência revelou ao grupo dois fatores que cabem ser destacados: um deles, já mencionado aqui, é o processo sistemático de racismos presente no campo das artes, o outro é a dificuldade de reconhecimento e inserção de tais profissionais nos espaços institucionais. Foi com base nesse cenário que percebeu-se a necessidade de um estudo direcionado a entender as dificuldades em acessar o trabalho dos profissionais negros e indígenas na curadoria e, como parte disso, o projeto aqui apresentado passou a integrar os estudos da Rede.


Embora tal estudo ainda esteja no início, as informações presentes nele, até o momento, nos auxiliam a entender algumas das dinâmicas e situações de tais profissionais.


Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.

De acordo com os dados obtidos até aqui, apenas 20% dos curadores indígenas e negres atuam em alguma instituição, enquanto 80% não têm outra saída que não seja apostar na carreira independente/autônoma. Obviamente, esse dados também são atravessados por outros fatores que não afetam apenas os profissionais negros e indígenas, como a pouca autossuficiência da área em algumas instituições e as relações de trabalho marcadas por relações pessoais no sistema. Nem sempre o trabalho como curador autônomo/independente é uma opção desejável, pois envolve instabilidade financeira, situações precárias e desgastantes de trabalho, além da falta de políticas públicas que amparem adequadamente os profissionais que atuam nessa modalidade.


Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.



Vivemos recentemente uma série de exposições e projetos organizados por instituições artísticas com o objetivo de promover maior “diversidade” racial, de gênero e classe em suas equipes. Apesar das boas intenções, os dados aqui revelam que ainda falta muito para que essas ações interfiram na base e promovam uma mudança real na contratação dos profissionais negros e indígenas nas equipes curatoriais. Quando uma instituição se propõe a ter a luta antirracista como uma de suas bandeiras, é fundamental que ela entenda que isso não diz respeito apenas a pensar as temáticas de suas programações e exposições, mas que inclui manter equipes com significativa presença de profissionais negros e indígenas, onde esses possam ter seus trabalhos reconhecidos e remunerados com valores justos. E que, quando esta e seus curadores, diretores e coordenadores brancos se calam e optam por seguir trabalhando com equipes majoritariamente brancas, corroboram com a manutenção do racismo.



Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.


A pouca empregabilidade dos curadores negros e indígenas ao longo da história de curadoria no Brasil fica explícito quando vemos, por exemplo, que o Museu de Arte de São Paulo (MASP), fundado em 1947, contratou suas primeiras curadoras negras, Horrana de Kássia e Amanda Carneiro, apenas em 2018, e a primeira curadora indígena, Sandra Benites, somente em 2019.


Ainda no que diz respeito às políticas de “diversidade” nas instituições culturais, cabe mencionar a recorrência da centralização desses projetos em discursos que coloca os profissionais negros e indígenas sempre embaixo do guarda-chuva das chamadas “minorias”, vendo-os como representantes de uma pauta coletiva e que deveria ser vista como de responsabilidade de todos. Projetar em uma pessoa a responsabilidade de que ela fale sempre sobre a sua condição racial, ou que faça curadorias que tenham este como ponto central, além de desrespeitoso, é essencialista, pois persiste em definir quais devem ser os papéis das pessoas negras e indígenas, negando suas subjetividades, individualidades e desejos.


Nenhuma ação curatorial é neutra e não é possível escrever outras histórias das artes brasileiras apenas pelas autorias brancas. Dar continuidade ao estudo das curadorias negras e indígenas é um modo de colaborar com isso. Entendê-las para além da representatividade, compreendendo seus processos subjetivos e artísticos é o desejo deste mapeamento, que já demonstra em seus dados iniciais que as chamadas “lacunas” postas na representação profissional do campo é parte do processo permanente de exclusão de corpos, corpas e vozes. Um exemplo disso é o fato das narrativas curatoriais do Norte, Nordeste e Centro Oeste, regiões que geralmente são postas às margens do protagonismo da curadoria nacional, e que aqui aparecem em destaque, demonstrando que não há lacuna, mas um processo lacunar de apagamento e exclusão.


Pesquisa realizada em colaboração através das redes sociais por Luciara Ribeiro. Colaaboração e designer: Projeto Afro, Guillermina Bustos, Jorge Sepúlveda T., Gabriela Diaz Velasco e equipe de Trabalhadores de Arte.


Pretende-se, a partir de agora, entender os resultados apresentados e integrá-los juntos ao estudo de cartografia geral dos curadores e curadorias brasileiras que vem sendo desenvolvido pela Rede de Pesquisa e Formação em Curadoria de Exposição, buscando entender quais as semelhanças e divergências entre tais profissionais, o que os aproxima e os distancia. Como parte do mesmo desejo de escrever um novo processo para os profissionais negros e indígenas nas artes, o presente estudo também foi integrado ao Projeto Afro e ao Coletivo de Trabalhadores das Artes. Ao Projeto Afro pela preocupação em ser um espaço permanente de divulgação e pesquisa das artes afro-brasileiras e de autorias negras, e ao Trabalhadores de Arte pela necessidade urgente de debatermos as políticas de contratação laboral no campo das artes, a adoção de processos seletivos éticos, transparentes e de combate à permanência dos processos de exclusão.


Como parte desses desdobramentos, com o desejo de conhecer melhor os processos curatoriais brasileiros e inspirados em iniciativas como o “Projeto 1 curadorx, 1 hora”, do curador Raphael Fonseca – que tem buscado através de entrevistas organizar um panorama dos pensamentos curatoriais atuais – teremos uma seção exclusiva no editorial do Projeto Afro para apresentar o perfil desses curadores, acompanhados de entrevistas individuais. A partir do mês de novembro de 2020, lançaremos periodicamente um material exclusivo concedido pelos curadores negros, negras e indígenas brasileiros.


Por POR LUCIARA RIBEIRO

4 de novembro de 2020

Matéria original: https://projetoafro.com/editorial/artigo/curadorias-em-disputa-quem-sao-as-curadoras-negras-negros-e-indigenas-brasileiros/?fbclid=IwAR14WItASbZjP11BEt4uwVxOBdvDpPUpXR-56Q5xKfpFl8FlokuDzXfh6fE

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